De Jundiaí a Milão, a trajetória do arquiteto e professor Francisco Spadoni
Quando o arquiteto Francisco Spadoni narra a sua vida, é impossível não lembrar da canção “In My Life”, dos Beatles. “Há lugares que me lembro / toda minha vida, apesar de algumas coisas terem mudado”, diz a música. Ele nasceu em Jundiaí, no interior de São Paulo, cidade que não apenas lhe traz recordações marcantes da infância, como também foi fundamental em sua escolha profissional. “Jundiaí possui tradição em arquitetura; nas décadas de 1940 e 1950 teve um prefeito que era arquiteto [Vasco Antonio Venchiarutti]; ele praticamente criou a urbanização moderna da cidade. Além disso, lá existe uma geração de profissionais ainda atuantes, formados entre 1950 e 1960. A minha geração vivenciou essa história e isso me influenciou muito”, comenta.
[caption id="attachment_5171" align="alignleft" width="298"] O projeto do Centro Paula Souza teve como ponto de partida a criação de uma grande praça, em torno da qual foram implantados os edifícios. São dois blocos distintos em concreto, conectados por uma cobertura de sombreamento. O edifício da sede é protegido por uma cortina de aço inox para controle da luz solar e da temperatura.[/caption]Tanto que, enquanto a maioria dos seus amigos optou por estudar engenharia, Francisco já se interessava por urbanismo. E não poderia ser diferente. Até hoje se lembra do bairro em que morou, da sua escola e da empresa na qual seu pai (falecido quando ele tinha apenas quatro anos) era diretor. Na década de 1980, estudou na PUC de Campinas. Formado, partiu em busca teorias da arquitetura, na Ecole d’Architecture de Paris-Villemin. Nos três anos em que morou na capital francesa, atuou com o arquiteto japonês Kenzo Tange (Prêmio Pritzker de 1987), além de desenvolver trabalhos próprios. “Meu primeiro projeto foi a transformação de um pequeno navio petroleiro de canal, que eles chamam de peniche, em uma moradia no Rio Sena”, lembra.
No início dos anos de 1990 voltou ao Brasil e se tornou assíduo na participação de concursos de arquitetura – coisa que faz até hoje! Junto ao arquiteto Mario Biselli, venceu a concorrência para a criação do Centro de Documentação e Informação do Liceu Pasteur. Já nos anos 2000, com seu próprio escritório, localizado hoje no bairro do Sumaré, na capital paulista, assinou vários projetos para os campi da Universidade Presbiteriana Mackenzie, integrando um Plano Diretor para a sua expansão, destacando-se o Edifício Modesto Carvalhosa, no campus de Higienópolis, junto ao arquiteto Lauresto Esher.
[caption id="attachment_5173" align="alignright" width="334"] Ainda no Centro Paula Sousa, o edifício da escola ganhou um sistema de passarelas ao redor das salas, o que gera dinamismo. A ideia dominante do projeto é projetar os grandes volumes como caixas soltas sobre a praça, promovendo a transparência, aeração espacial e expressividade.[/caption]Após uma série de trabalhos, para ele teve um significado especial o Centro Paula Souza (em São Paulo), em parceria com o arquiteto Pedro Taddei. A obra tem a proposta de ser um agente transformador. “É um projeto único, pois nos possibilitou desenhar uma quadra inteira bem no centro da cidade. A ideia de construirmos uma praça, um grande equipamento público – que é uma escola, mas onde também funciona a sede do centro –, é uma grande contribuição para a cidade”, comemora. O trabalho recebeu, em 2014, o prêmio de obra referencial da Associação Paulista dos Críticos de Arte.
Com escritório também em Milão, por lá o arquiteto continua de olho nos concursos! Em um deles, organizado pela Università Iuav di Venezia, Francisco foi vencedor com o projeto “Isola nascosta”, ou, “A ilha oculta”, em português, no qual propôs a regeneração de uma ilha que servia de depósito de lixo para Veneza. Uma solução que, se fosse aplicada, poderia servir de inspiração para outros lugares que passam pelo mesmo problema.
O arquiteto chegou a Milão por meio da docência. Mestre e doutor pela FAU-USP, onde leciona há 11 anos, é igualmente professor do Mackenzie há 20. Hoje, é responsável pelos acordos internacionais entre a USP e a IUAV de Veneza, além de manter contato com outras universidades italianas. Seu sócio por lá é o arquiteto Stefano Passamonti.
[caption id="attachment_5172" align="aligncenter" width="1300"] No concurso realizado pelo Memorial do Imigrante, em São Paulo, Spadoni propôs um monumento com um museu anexo, na Rodovia dos Imigrantes. O desenho aproveita a topografia, traçado como uma linha suspensa na paisagem. Com 110 m de comprimento, teria dois terços dessa medida em balanço. Recebeu menção honrosa do júri.[/caption]Em 2015, coordenou o projeto “Pavilhão do café”, uma parceria entre a FAU-USP e o Politécnico de Milão. A mostra integrou os pavilhões internacionais da Expo Milano, junto a mais 15 países. Para este ano, prevê novidades. “Estamos organizando uma exposição itinerante dos nossos trabalhos por lá. Vai começar por Palermo e passar por várias universidades italianas”, celebra.
[caption id="attachment_5174" align="alignleft" width="446"] Localizado em Vitória (ES), o Parque Tancredo Neves envolveu intervenções paisagísticas e arquitetura. Entre os destaques, à direita está um ginásio para 2 mil pessoas, construído com estrutura metálica e concreto, e fechamento em chapa metálica. À esquerda, uma garagem de barcos. Uma passarela elevada separa o parque em dois setores: o da cidade, ao lado da rua, e o do canal (rio Santa Maria).[/caption]Vale destacar que Francisco nunca abandonou os bancos escolares e, hoje, frequenta aulas de filosofia na USP, incentivado pelas longas conversas com o filho, que é estudante da disciplina. “É meu grande parceiro intelectual, aprendo muito com ele”, elogia. “Resolvi reavaliar o que eu penso; isso ajuda na própria construção da minha obra, do meu discurso”, completa. Casado com uma profissional da área da cultura, ele gosta de ser rodeado de pessoas próximas de várias áreas. “Arquiteto na família só eu, e já é o suficiente”, brinca.
Tenista e nadador amador nas horas livres, é um viajante contumaz. Entre suas andanças, esteve no Egito, de onde trouxe na bagagem uma história interessante. “Visitei um bairro desenhado pelo arquiteto Hassan Fathy e, quando cheguei, dois meninos me viram com a máquina fotográfica e vieram conversar comigo. Entre o que se podia entender, falaram ‘Hassan Fathy, Hassan Fathy’. Ou seja, eles sabiam que aquele bairro tinha sido desenhado por aquele arquiteto – e isso bem no meio do deserto! Foi uma das coisas mais inusitadas da minha vida”, finaliza.
[caption id="attachment_5176" align="aligncenter" width="1300"] Integrando o projeto do Plano Diretor de expansão da Universidade Mackenzie, o Edifício Modesto Carvalhosa, localizado no campus de Higienópolis (São Paulo), foi construído com estrutura de concreto armado. Com dois andares de biblioteca e salas de aula nos demais pavimentos, é protegido por brises desenvolvidos especialmente para o projeto.[/caption]]]>