Com 78 anos, Ruy Ohtake mostra porque está na vanguarda da arquitetura brasileira
Ele estudou piano na infância, durante dois ou três anos, mas o que gostava mesmo era de jogar futebol e bolinha de gude com os amigos na rua de terra onde morava, no bairro da Mooca, em São Paulo. Até que um dia sua professora o entregou: disse a sua mãe, a artista plástica Tomie Ohtake, que o filho Ruy não levava o menor jeito para a música. “Minha mãe era compreensiva, mas de vez em quando ficava brava e, quando isso acontecia, tinha que sair de baixo”, relembra, entre risos, o arquiteto Ruy Ohtake. Segundo ele, a principal preocupação de Tomie era que os filhos crescessem gostando de arte. Assim, ela transformou a sala de visitas em seu ateliê e o resultado não poderia ser outro: tanto Ruy, como o irmão mais novo, Ricardo, enveredaram pela arquitetura. Enquanto o primogênito é conhecido pela genialidade em combinar formas inusitadas e cores vibrantes em projetos, o caçula, apaixonado por design gráfico, é diretor geral do Instituto Tomie Ohtake.
[caption id="attachment_3650" align="alignright" width="375"] Integrando negócios e cultura em um mesmo conjunto, o Instituto Cultural Tomie Ohtake também é composto por dois edifícios de escritórios, um centro de reuniões e um teatro. O acesso é marcado por uma sequência de seis painéis curvos de diferentes cores e dimensões.[/caption]Do pai, Alberto Ohtake, que era comerciante, Ruy também tem boas lembranças. Ele acompanhava de perto o estudo dos filhos e gostava muito de música clássica. “Naquela época, eram aquelas ‘bolachas’ enormes de vinil, então ele ouvia Richard Wagner, Beethoven e algumas óperas”, diz. Os dois irmãos se formaram pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e Ruy lembra com carinho de um dos seus professores, o arquiteto Vilanova Artigas.
“Ele foi um grande mestre e rompedor do tradicional modernismo. Com ele, vi o que era o ofício da arquitetura. Tenho um respeito muito grande por ele como arquiteto, professor e também como homem, já que era uma pessoa de firmeza ideológica”, elogia. Ruy também é admirador do arquiteto Oscar Niemeyer e conta que, certa vez, quando era estudante, viajou de São Paulo para o Rio de Janeiro de ônibus só para encontrá-lo. Como não tinha marcado hora, ficou o dia inteiro esperando por ele.
[caption id="attachment_4251" align="alignleft" width="406"] Localizado em Campo Grande (MS), o Aquário do Pantanal tem forma de elipse, que remete a uma cápsula metálica. Ele abriga 32 aquários, enquanto a parte central descoberta traz nove pequenas lagoas para animais de porte maior.[/caption]“Aprendi muito com Niemeyer. Ele conversava pouco sobre arquitetura, mas tudo o que falava tinha conexão, em termos de liberdade de criação ou de uma convicção. A convicção não é eterna, ela vai se firmando pouco a pouco, em cada etapa de um projeto. Além disso, ele dizia que toda arquitetura tem que ser muito bonita”, relembra. Os dois não chegaram a trabalhar juntos, mas, certa vez, Niemeyer o convidou para assinar alguns projetos quando a cidade de Brasília foi candidata a sede dos Jogos Olímpicos de 2000.
Para Ohtake, a capital federal é um exemplo quando o assunto é urbanismo. O mesmo não acontece em São Paulo, que, segundo ele, é uma metrópole com “muita construção e pouca arquitetura”. “São Paulo cresceu pelas mãos do homem, mas quando começou a atrair as populações pobres do interior do Brasil, não soube criar uma estrutura digna para recebê-las. Então, perdemos espaços importantes, como as represas Billings e Guarapiranga, que foram ocupadas desordenadamente. O urbanismo é bom quando ele está na frente. Nosso urbanismo vai atrás dos problemas”, indigna-se.
Voltando aos tempos de estudante, quando Ruy estava no quarto ano da faculdade surgiu a oportunidade de estagiar com o arquiteto Carlos Millan. Após se formar, montou um pequeno ateliê e começou a trabalhar para amigos e familiares. Seu primeiro projeto de grande porte foi uma escola pública para a cidade de Marília, no interior de São Paulo. Hoje, aos 77 anos, de seu escritório, na região da Avenida Brigadeiro Faria Lima, saem projetos emblemáticos e design de móveis, todos devidamente feitos à mão: Ruy é tão avesso à tecnologia que não usa computador, celular e nem relógio!
[caption id="attachment_3659" align="alignleft" width="1194"] Revestido por placas de cobre, com aberturas circulares, o Unique traz dois espaços vazados: um oferece acesso ao hotel e o outro, ao centro de eventos. Caracterizado como um hotel urbano, suas janelas são mais um elemento de composição dinâmica na fachada.[/caption]A paixão pelas curvas deu vida à maioria de seus projetos, desde os mais luxuosos, como o deslumbrante hotel Unique, até os famosos “redondinhos”, o conjunto habitacional que ele desenhou na comunidade de Heliópolis. “Reconheço cada vez mais que a arquitetura e o urbanismo podem contribuir para uma cidade mais aberta, democrática e igualitária. São prédios de apenas quatro andares cercados por um parque para as crianças. É emocionante ouvir as famílias dizendo que nunca imaginaram que um dia morariam em um lugar assim”, diz, orgulhoso.
[caption id="attachment_3664" align="alignright" width="401"] No Terminal Sacomã (que integra o projeto do Elevado Centro-Sacomã – Expresso Tiradentes), o arquiteto desenhou uma forma curva em chapa metálica, com aberturas zenitais.[/caption]Sua prancheta, neste momento, dá vida ao projeto do Aquário do Pantanal, em Campo Grande (MS). Em fase final de construção, a obra tem o formato de uma cápsula metálica e agrega um conjunto de aquários e uma área externa, ideal para atender à biodiversidade. Também conta com núcleo de pesquisa, biblioteca e auditório. “A forma inusitada e inédita traz certa ousadia para que o Pantanal fique bem representado”, explica.
[caption id="attachment_3665" align="alignleft" width="383"] Já o Terminal Mercado, localizado no centro de São Paulo, foi criado a partir de uma manta metálica transparente, que acolhe os passageiros sem obstruir a vista para a cidade de São Paulo.[/caption]Aliás, ousadia é uma palavra que poderia muito bem definir a maioria dos seus trabalhos. “É possível realizar coisas muito boas e simples, mas o desafio maior é criar coisas bonitas e inovadoras. É preciso ter uma dose de ousadia e também de intuição, no sentido de confiar naquilo que se está compondo. Se fizer um projeto com dúvida, com medo, não vai ser de vanguarda, porque sabemos que toda vanguarda é meio polêmica”, ensina o mestre. Ruy tem dois filhos. A mais velha, Elisa Ohtake, seguiu a profissão da mãe, Célia Helena, e é atriz, com atuação em teatro contemporâneo. Já Rodrigo Ohtake, filho dele com a arquiteta Silvia Vaz, segue a mesma carreira e trabalha com o pai. Quando indagado se sabia que chegaria tão longe, com obras marcantes no Brasil e no mundo, Ruy diz: “Eu nem sabia o que era tão longe. Tudo que eu faço é o avanço do modernismo em relação ao que se fazia em 1960 e 1970. Precisamos andar para frente. Quanto? Cinquenta, cem anos? Não sei. Se uma coisa for boa, vai durar 100 anos. É a história que vai dizer”, finaliza.
Imagens: Eder Bruscagin, Leonardo Finotti, Nelson Kon e divulgação
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