Bunker cultural
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NO RIO, O JOVEM STUDIO OM.ART AMADURECE COMO RESIDÊNCIA E RESISTÊNCIA DA ARTE BRASILEIRA
No início do verão carioca, Oskar Metsavaht abriu as portas de seu studio OM.Art para receber a revista de.cor.ar por uma tarde inteira de bate-papo. Instituição cultural contemporânea, o local envolve o estúdio do artista Oskar e sua equipe 100% voltada para a arte, e abriga exposições, além de residências culturais e outras experiências artísticas – um verdadeiro foco de resistência que pretende dar espaço à classe em suas mais diversas expressões. Leia aqui um pouco do que ele nos contou e corra para o nosso aplicativo, onde muito mais do estúdio espera por você. Fala, Oskar!
Se o studio OM.art não é uma galeria, embora já tenha realizado três mostras, qual é exatamente a sua proposta?
O OM.art é o meu estúdio de arte. Conceitualmente, um espaço multidisciplinar que abriga conteúdos de reflexão contemporânea sobre arte, ciência e filosofia, por meio do olhar de curadores e intelectuais convidados. E também tem um espaço que pode ser aberto ao público e abrigar exposições de arte em geral, videoinstalações, residências artísticas.
É meu espaço, independentemente de qualquer outra atividade criativa minha que não seja arte. É onde tenho a liberdade de tempo, de expressão e de uso. Onde realizo meus ensaios em desenho, pintura, filmagens, performances, esculturas. Obras que não tenham um pensamento estratégico como no design e no branding.
Não é uma galeria, é um espaço meu de trabalho artístico que abro e compartilho com outras instituições, curadores e artistas para exposições individuais ou coletivas em que eu possa ou não participar — às vezes, quando preciso usar todo o meu estúdio, não há exposições. Quando acontecem, elas são parte do meu trabalho como artista, e servem como residência artística onde o conceito e espírito de cada uma, dentro do meu estúdio durante 60 dias, me fazem mergulhar nelas e delas me inspirar diariamente. Como as exposições Rhodislandia, do Helio Oiticica, e Dialética,
por exemplo.
Ao chamar a arquiteta Bel Lobo para o projeto, qual foi o briefing?
Eu procurava um galpão ao redor do Jardim Botânico e do Horto, para ter um espaço separado do meu estúdio de design na Osklen. Durante três anos, até meados de 2018, meu estúdio de arte era em uma casa na Gávea. E eu precisava de um espaço maior, para projetos meus de videoinstalações, e que fosse perto da minha casa, para eu poder ir de bicicleta. Quando eu soube da Vila Portugal, no Jockey, a Bel Lobo estava começando um projeto aqui – já havia projetado a forma de galpão combinando com as casas do lado, para que tivesse sentido. Porém, eu precisava de um lugar mais amplo, e veio a ideia de fazer um subsolo e outro andar meu, para ter duas partes de estúdio, para que a fotografia e a pintura ficassem em uma área, e as videoinstalações em outra. Eu precisava que a parte de baixo fosse um cubo branco e a parte de cima um espelhado com luz natural. Queria um lugar em que pudesse ter conforto e receber amigos. E ela uniu tudo isso. Pensei no verde-oliva da fachada por duas razões: uma, para que ele não sobressaísse e ocupasse visualmente todo o espaço. Em segundo lugar, porque a forma de contêiner verde significa para mim uma certa ‘guerrilha’: é um dos bunkers de resistência cultural no Rio de Janeiro.
E como seu Brazilian Soul impacta na contemporaneidade?
Esta minha expressão é do final dos anos 1990. Com ela assino conceitos e elementos universais de nossa cultura, os quais identifico naquele momento. O BS é o imaginário do que somos, o resultado da mistura étnica e cultural que temos: africana, indígena e europeia. Essa coleção de valores intangíveis que criou e cria quem somos, e nosso sentimento único e universal. O espírito do brasileiro, o que nos torna originais.
Como foi a sua jornada da moda em direção à arte?
Da mesma forma como da minha carreira de médico para a de designer, de designer para estilista e agora para a de artista. Como tal, não considero a plataforma em si do trabalho, mas seu espírito. Onde a criação vem de um desejo, de uma necessidade e de uma forma de ver a vida e de se expressar — e assim me considero artista desde jovem.
Arte e ciência sempre fizeram parte de minha formação, porém a acadêmica foi em medicina, onde a filosofia, a arte e as ciências se encontram. Medicina nos faz compreender o ser humano: o biológico, e o espiritual e psicológico. A arte vem da cultura da minha família, de várias gerações, e desde jovem já fotografava, filmava e editava, além de fazer pequenos desenhos e pinturas.
Minha cultura estética é rica de história da arte e filosofia, pois sou filho e irmão de professores das duas áreas, que não estudei — e de pai e irmãos médicos acadêmicos. Se se observar no meu trabalho de maior dedicação até agora, a Osklen, percebe-se uma riqueza estética e conceitual bastante consistente. A arte sempre fez parte do meu processo criativo, na moda e em todos os projetos em que me envolvi. Então não houve exatamente uma passagem. A arte é uma extensão natural na minha trajetória.
Qual a conexão entre todos os seus diferentes negócios: marca, estúdio e também o hotel Janeiro?
São somente diferentes plataformas onde posso expressar meu estilo e criatividade. Moda é percepção de comportamento da sociedade, e como me incluo nela e as pessoas também, ali é onde essas percepções são decodificadas em design.
No Janeiro acho que é a de receber, de ter pessoas em um espaço onde a cenografia é que seduz e envolve. Onde eu talvez expresse melhor o meu amor pelo Rio, com visão da cidade de forma minimalista, fazendo com que as pessoas se sintam dentro desta experiência. O Janeiro é a minha percepção estética, que não tem diferença da que tenho em relação à moda e ao studio OM.art. Tudo é uma expressão do que sou. O studio OM.art é o ambiente onde tudo começa, antes do que acontece na Osklen e no Janeiro. O que sai de dentro do estúdio talvez possa inspirar a mim e as minhas equipes lá fora em outros projetos. É uma troca de liberdade que tenho com outros artistas. O trabalho que sai daqui é algo que não codifico em moda, arquitetura ou decoração.
Uma das últimas coleções da Osklen, tendo Tarsila do Amaral como tema, levou a arte brasileira das vitrines para o mundo. Como foi?
Na coleção que fiz para a Osklen, inspirada na obra e vida de Tarsila, minha equipe do studio OM.art realizou um projeto de co-branding Tarsila/Osklen/MoMa. E eu e minha equipe de design na Osklen criamos a coleção. Tarsila é um dos elementos do nosso ‘Brazilian Soul’, tanto quanto o Samba, a Capoeira, a Amazônia, e outros. Comparo conceitualmente o meu ‘Cool and Brazilian’ dos anos 90 ao ‘Tupy or not Tupy’ do Oswald de Andrade no manifesto antropofágico nos anos 1920. Cada um, em suas épocas, nos fazem refletir de uma forma ‘estrangeira’ nossa própria cultura. Olharmos para nós mesmos.
Oskar Metsavaht, empreendedor da criatividade
O ARTISTA, DESIGNER E DIRETOR DE CRIAÇÃO APRESENTA SEU BUNKER CULTURAL, NO RIO.
“Não me considero um empresário. Sou um artista que empreendeu sua criatividade, seus elementos de estilo e conceitos através do design”, diz Oskar Metsavaht com sua fala mansa e leve sotaque gaúcho de origem. Cool e cult como ele só, e super jovial, ele é médico, mora no Arpoador, no Rio, é casado e pai de três filhos, e veste literalmente os próprios conceitos. Despojadamente carioca em sua T-shirt e jeans pretos – e um tênis bege velho da Osklen, marca que fundou –, ele começa explicando tudo com calma, segurança e uma simplicidade que embute timidez.
Muita, aliás, para quem já fez e faz tanto: “Criei uma das marcas mais importantes do Brasil, que com certeza faz parte dessa cultura nossa, brasileira, representada mundo afora. Empreendi minha criatividade em um momento da minha vida por uma oportunidade com aquele primeiro casaco de neve (refere-se às surpreendentes vitrines e araras com suas criações para a neve expostas em um espaço pioneiro, em 1986, no calor à beira-mar de Búzios, RJ), em que usei meus conhecimentos científicos de anatomia, biofísica e ergonomia para eu mesmo usar em uma expedição nos Andes. E alguns anos após (1989), criei a Osklen não pensando comercialmente, mas sim com o desejo de mostrar o que eu havia feito, os casacos e as minhas fotos nas expedições dos Andes aos Alpes. Sempre faço assim minhas coleções, gosto de expressar o que vivi ou imaginei, e toda vez é isso. É o que me move. Minha inquietude não vem do empreender, vem do artista, vem do conhecer o mundo, viver experiências e compartilhar com os outros o que sinto,
vejo e percebo”.
Com esta etapa consolidada no brand consagrado, com lojas próprias e franquias no Brasil e no exterior, vieram outras oportunidades ao longo dos 30 anos de carreira — o exercício da medicina só foi abandonado em 1996. De novo: “O hotel Janeiro (inaugurado no fim do ano passado no Leblon, Rio de Janeiro) e a própria Osklen não vieram para mim como uma pretensão de negócios. Ambos começaram pelo meu interesse em expressar em alguma plataforma os meus elementos de estilo.
Os negócios vêm depois para manter os meus projetos e poder crescer. Eu não desenvolvo o business, tenho uma equipe para isso. A minha criatividade e a minha arte vêm daí. O que eu empreendo é a minha criatividade e a minha vontade de fazer. A minha inquietude vem da alma de artista, de sentir, compartilhar, aprender e criar”. E o artista pop, como ele se considera, ergueu desta mesma forma, no ano passado, um de seus atuais xodós: o studio OM.Art, que você pode conhecer mais pelas fotos e em sua entrevista nas outras páginas desta matéria, ou visitando o local: Rua Jardim Botânico, 997 – em terreno localizado no Jockey Club do Brasil, no Rio. E, ainda, baixando no nosso aplicativo da revista de.cor.ar.